domingo, 20 de outubro de 2024

História da investigação e estudo da doença em Portugal

 

O início do estudo desta doença deve-se ao Dr. Corino de Andrade.

Mário Corino da Costa Andrade nasceu em Moura a 10 de Junho de 1906. Em Beja fez a escola primária e o Liceu. Em 1922, ingressa na Faculdade de Medicina em Lisboa. Licenciando-se em 1929 em Medicina e iniciando de imediato a sua formação em Ciências Neurológicas com o Prof. António Flores.

Estagia no serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria de Lisboa onde encontra Egas Moniz. Entre 1930 e 1938 trabalha como assistente na Clínica Neurológica da faculdade de Medicina de Estrasburgo dirigida pelo Prof. Barré, um dos maiores nomes da Neurologia francesa. Em 1937, realiza estágio em neuropatologia, no Laboratório de Oscar Vogt, famoso neuropatologista.

Em 1938, regressa a Portugal e chega ao Porto trabalhando no hospital psiquiátrico de Conde Ferreira. Em 1939, observa o primeiro doente com Paramiloidose que lhe conta que na sua família e na sua terra, Póvoa de Varzim, existem muitos casos semelhantes. Com a ajuda do Dr. Américo Graça, que lhe seleciona os doentes, desloca-se uma vez por semana à Póvoa de Varzim, para os observar.

 Tratava-se de uma doente com 37 anos, que se queixava de adormecimento, formigueiro e falta de sensibilidade térmica e dolorosa nos membros inferiores, dificuldade na marcha, diarreias e perturbações nos membros superiores semelhantes às dos membros inferiores, sintomas diferentes dos habitualmente encontrados nas doenças neurológicas. Referia ainda serem estas queixas semelhantes às de outros familiares assim como a alguns dos seus vizinhos onde existiam muitos doentes semelhantes, tais como pescadores que não sentiam dor quando se cortavam nas cordas dos barcos e se queimavam com os cigarros, despertou o interesse de Corino de Andrade, visto não se enquadrar em nenhuma patologia até então descrita, levando-o ao início da investigação da doença. Corino de Andrade iniciou assim a sua “aventura” no descortinar desta nova patologia médica.

A doença há muito que era conhecida pelos habitantes da zona noroeste de Portugal como uma doença fatal a curto prazo que afetava certas famílias, sendo que os afetados aguardavam a sua lenta, mas progressiva, evolução até à morte. Designavam-na mal dos pezinhos.

Os anos seguintes são de estudo e reflexão, procurando eliminar algumas hipóteses de diagnóstico, tais como lepra, avitaminoses, toxicoses, e certas afeções degenerativas hereditárias como a «siringomielia baixa familiar». Chega assim à «amiloidose dos nervos».

A partir de 1941 passa a exercer funções no Hospital Geral de Santo António onde cria o serviço de Neurologia, para o qual Corino de Andrade foi nomeado diretor. Aqui encontra o seu primeiro colaborador, Dr. João Resende, que o vai acompanhar até 1976, ano da sua reforma por limite de idade. Durante este período, a partir do referido Serviço diferenciam-se outros serviços, a Neurocirurgia, a Neurofisiologia, a Neurorradiologia, a Reanimação Respiratória e o Laboratório de Neuropatologia. Apesar de estar já afastado do trabalho hospitalar, vai orientar a fundação de uma nova Escola de Medicina – o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

Entre os colaboradores de Corino de Andrade destacou-se o Dr João Resende que na altura estagiava no Hospital Geral de Santo António e que se tornou parte integrante de uma equipa

constituída por Pereira Guedes, Jorge Campos, António Coimbra e Castro Alves (médicos neurologistas).

Em 1952, a Polineuropatia Amiloidótica Familiar foi reconhecida internacionalmente como uma nova doença.

A preocupação maior de Corino Andrade não foi nunca a doença que descobriu mas as pessoas que a apresentavam e o sofrimento que a doença nelas provocava. Nesta sua ligação afetiva aos doentes, radica a sua força que o fez mover montanhas de indiferença.

 Atravessar rios de pequenas e grandes invejas e alcançar os seus objetivos, para melhor beneficiar os doentes.

Em 1951 e 1952, publica os primeiros artigos sobre a Paramiloidose.

Corino de Andrade imprimiu uma análise científica aos aspetos diversos que foi observando, com destaque para a sua localização geográfica preferencial, distribuição familiar, história natural da doença e as características peculiares do respetivo quadro clínico. Foi desta forma que conseguiu caracterizar a doença, descobrindo pela primeira vez uma forma familiar de amilóide, designada por Paramiloidose, Polineuropatia Amiloidótica Familiar ou, internacionalmente, por Doença de Andrade. Com a exclusão de outras hipóteses de diagnóstico, a descoberta de depósitos de amilóide em material de autópsia por Silva Horta e com as observações neuropatológicas, esta doença ficou devidamente identificada com reconhecimento internacional. É no decorrer do “período de incubação” que Corino de Andrade efectua regulares viagens a Lisboa para discutir casos clínicos e preparações histológicas com uma equipa que integrava nomes como Egas Moniz, Miller Guerra e João Alfredo Lobo Antunes. Foi então que um jovem patologista, Jorge Horta, quem pela primeira vez afirmou que a substância extra-celular que infiltrava os tecidos destes pacientes era amilóide, com características tinturiais muito próprias, acabando por se designar de Paramiloidose.

Foi publicado, em 1952, na Revista Brain, um artigo escrito por Corino de Andrade, intitulado. A Peculiar Form of Peripheral Neuropathy, em que a PAF é fundamentada e magistralmente descrita. Ele ficará sendo como que o “Génesis” do “Velho Testamento” da PAF. Aos “evangelistas” que se lhe seguirem caberá, a seu turno e quando julgarem oportuno, redigir o seu “Novo Testamento”.

Em 1959, a doença de Andrade foi crismada de Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF). Proposta feita pelo neurologista brasileiro Rodrigues de Mello. Em 1960, Mário Corino da Costa Andrade cria o Centro de Estudos de Paramiloidose, no Porto.

No início da década de 70 Corino de Andrade dá um importante impulso à investigação da Doença de Machado Joseph, uma nova doença com origem nos Açores e em 1976 deixa o Hospital Geral de Santo António para se dedicar integralmente ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Segue-se um segundo período de estado que se prolongou até 1980; um terceiro período que se caracteriza pela explosão do conhecimento científico acerca da doença; e um quarto período que se inicia com a terapêutica pelo transplante hepático e que se prolonga até aos dias de hoje.

Em 1979, faz parte do grupo de profissionais de saúde que criou a Associação Portuguesa de Paramiloidose, da qual é membro efetivo da direção. 

 Em meados dos anos 80 retira-se definitivamente da vida profissional. Mário Corino da Costa Andrade morre no Porto, em Junho de 2005.

Teresa Coelho, médica Neurologista com especialização em Neurofisiologia, deu continuidade à investigação iniciada pelo Dr Corino de Andrade no H.G.S.A., tendo sido incansável até à data, na procura da cura para esta doença, juntamente com vários colaboradores.

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