O início do estudo desta doença deve-se ao Dr. Corino de
Andrade.
Mário Corino
da Costa Andrade nasceu em Moura a 10 de Junho de 1906. Em Beja fez a escola
primária e o Liceu. Em 1922, ingressa na Faculdade de Medicina em Lisboa.
Licenciando-se em 1929 em Medicina e iniciando de imediato a sua formação em
Ciências Neurológicas com o Prof. António Flores.
Estagia no
serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria de Lisboa onde encontra Egas
Moniz. Entre 1930 e 1938 trabalha como assistente na Clínica Neurológica da
faculdade de Medicina de Estrasburgo dirigida pelo Prof. Barré, um dos maiores
nomes da Neurologia francesa. Em 1937, realiza estágio em neuropatologia, no
Laboratório de Oscar Vogt, famoso neuropatologista.
Em 1938,
regressa a Portugal e chega ao Porto trabalhando no hospital psiquiátrico de
Conde Ferreira. Em 1939, observa o primeiro doente com Paramiloidose que lhe
conta que na sua família e na sua terra, Póvoa de Varzim, existem muitos casos
semelhantes. Com a ajuda do Dr. Américo Graça, que lhe seleciona os doentes,
desloca-se uma vez por semana à Póvoa de Varzim, para os observar.
Tratava-se de uma doente com 37 anos, que se
queixava de adormecimento, formigueiro e falta de sensibilidade térmica e
dolorosa nos membros inferiores, dificuldade na marcha, diarreias e
perturbações nos membros superiores semelhantes às dos membros inferiores,
sintomas diferentes dos habitualmente encontrados nas doenças neurológicas.
Referia ainda serem estas queixas semelhantes às de outros familiares assim
como a alguns dos seus vizinhos onde existiam muitos doentes semelhantes, tais como pescadores que não
sentiam dor quando se cortavam nas cordas dos barcos e se queimavam com os
cigarros, despertou o interesse de Corino de Andrade, visto não se enquadrar em
nenhuma patologia até então descrita, levando-o ao início da investigação da
doença.
Corino de Andrade iniciou assim a sua “aventura” no descortinar desta nova
patologia médica.
A
doença há muito que era conhecida pelos habitantes da zona noroeste de Portugal
como uma doença fatal a curto prazo que afetava certas famílias, sendo que os
afetados aguardavam a sua lenta, mas progressiva, evolução até à morte.
Designavam-na mal dos pezinhos.
Os
anos seguintes são de estudo e reflexão, procurando eliminar algumas hipóteses
de diagnóstico, tais como lepra, avitaminoses, toxicoses, e certas afeções
degenerativas hereditárias como a «siringomielia baixa familiar». Chega assim à
«amiloidose dos nervos».
A
partir de 1941 passa a exercer funções no Hospital Geral de Santo António onde
cria o serviço de Neurologia, para o qual Corino de Andrade foi nomeado diretor.
Aqui encontra o seu primeiro colaborador, Dr. João Resende, que o vai
acompanhar até 1976, ano da sua reforma por limite de idade. Durante este
período, a partir do referido Serviço diferenciam-se outros serviços, a Neurocirurgia,
a Neurofisiologia, a Neurorradiologia, a Reanimação Respiratória e o
Laboratório de Neuropatologia. Apesar de estar já afastado do trabalho
hospitalar, vai orientar a fundação de uma nova Escola de Medicina – o
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
Entre os colaboradores de Corino de Andrade destacou-se o Dr
João Resende que na altura estagiava no Hospital Geral de Santo António e que
se tornou parte integrante de uma equipa
constituída por Pereira Guedes, Jorge Campos, António Coimbra
e Castro Alves (médicos neurologistas).
Em
1952, a Polineuropatia Amiloidótica Familiar foi reconhecida internacionalmente
como uma nova doença.
A
preocupação maior de Corino Andrade não foi nunca a doença que descobriu mas as
pessoas que a apresentavam e o sofrimento que a doença nelas provocava. Nesta
sua ligação afetiva aos doentes, radica a sua força que o fez mover montanhas
de indiferença.
Atravessar rios de pequenas e grandes invejas e
alcançar os seus objetivos, para melhor beneficiar os doentes.
Em
1951 e 1952, publica os primeiros artigos sobre a Paramiloidose.
Corino
de Andrade imprimiu uma análise científica aos aspetos diversos que foi
observando, com destaque para a sua localização geográfica preferencial,
distribuição familiar, história natural da doença e as características
peculiares do respetivo quadro clínico. Foi desta forma que conseguiu
caracterizar a doença, descobrindo pela primeira vez uma forma familiar de
amilóide, designada por Paramiloidose, Polineuropatia Amiloidótica Familiar ou,
internacionalmente, por Doença de Andrade. Com a exclusão de outras
hipóteses de diagnóstico, a descoberta de depósitos de amilóide em material de
autópsia por Silva Horta e com as observações neuropatológicas, esta doença
ficou devidamente identificada com reconhecimento internacional. É no decorrer do “período de
incubação” que Corino de Andrade efectua regulares viagens a Lisboa para
discutir casos clínicos e preparações histológicas com uma equipa que integrava
nomes como Egas Moniz, Miller Guerra e João Alfredo Lobo Antunes. Foi então que
um jovem patologista, Jorge Horta, quem pela primeira vez afirmou que a
substância extra-celular que infiltrava os tecidos destes pacientes era
amilóide, com características tinturiais muito próprias, acabando por se
designar de Paramiloidose.
Foi
publicado, em 1952, na Revista Brain, um artigo escrito por Corino de Andrade,
intitulado. A Peculiar Form of Peripheral Neuropathy, em que a
PAF é fundamentada e magistralmente descrita. Ele ficará sendo como que o
“Génesis” do “Velho Testamento” da PAF. Aos “evangelistas” que se lhe seguirem
caberá, a seu turno e quando julgarem oportuno, redigir o seu “Novo Testamento”.
Em
1959, a doença de Andrade foi crismada de Polineuropatia Amiloidótica Familiar
(PAF). Proposta feita pelo neurologista brasileiro Rodrigues de Mello. Em 1960,
Mário Corino da Costa Andrade cria o Centro de Estudos de Paramiloidose, no
Porto.
No
início da década de 70 Corino de Andrade dá um importante impulso à
investigação da Doença de Machado Joseph, uma nova doença com origem nos Açores
e em 1976 deixa o Hospital Geral de Santo António para se dedicar integralmente
ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Segue-se um segundo período de
estado que se prolongou até 1980; um terceiro período que se caracteriza pela
explosão do conhecimento científico acerca da doença; e um quarto período que
se inicia com a terapêutica pelo transplante hepático e que se prolonga até aos
dias de hoje.
Em
1979, faz parte do grupo de profissionais de saúde que criou a Associação
Portuguesa de Paramiloidose, da qual é membro efetivo da direção.
Em meados dos anos 80 retira-se definitivamente da vida
profissional. Mário Corino da Costa Andrade morre no Porto, em Junho de 2005.
Teresa Coelho, médica Neurologista com especialização em
Neurofisiologia, deu continuidade à investigação iniciada pelo Dr Corino de
Andrade no H.G.S.A., tendo sido incansável até à data, na procura da cura para
esta doença, juntamente com vários colaboradores.