Entre a sintomatologia mais evidente e mais precoce encontra-se a disfunção eréctil, que levanta não raramente problemas de auto-estima e sentimentos de impotência e raiva. Sendo uma amilóide, esta doença, no seu onset, vai incapacitando o doente afetando-o quase em todos os órgãos, desde os olhos ao coração, pois é multissitémica.
. Perturbações Neurológicas
Na PAF todas as fibras nervosas são atingidas, sensitivas, motoras e autonómicas, condicionando a quadro clínico.
Neste sindroma ocorre uma polineuropatia sensitiva, motora e vegetativa com início nas extremidades dos membros inferiores, seguido dos superiores e finalmente o tronco.
. Alterações Sensitivas
Estas são as primeiras alterações a aparecer manifestando-se por parestesias subjetivas confinadas de inicio aos dedos e à planta dos pés. Simultaneamente surgem as primeiras perturbações objetivas, identificando-se pequenas áreas de anestesia térmica ou dolorosa no interior de amplas zonas com a sensibilidade conservada.
Quando precoces, são subjetivas e caracterizadas por parestesias das extremidades dos membros inferiores, especialmente do halux, restantes dedos e superfícies plantares. São descritas como sensação de formigueiro, fisgadas e picadelas. Mais tarde, aparecem as hipostesias, que afetam a sensibilidade térmica, dolorosa e táctil. Com a progressão da doença, as queixas parestésicas vão-se intensificando até ao tronco, deixando as extremidades em anestesia completa.
Progredindo das extremidades até ao tronco, podemos encontrar: área de completa anestesia; área de anestesia dolorosa, térmica e hipostesia táctil; área com zonas em que se verificam perturbações da sensibilidade térmica.
. Alterações Motoras
Ocorrem geralmente com 1 ou 2 anos de atraso em relação às alterações da sensibilidade. Surgem parestesias nos dedos dos pés que se estendem aos músculos antero-laterais da perna e posteriormente às extremidades superiores. A paralesia dos músculos extensores impede o apoio dos calcâneos no chão por dificuldades de dorso-flexão, implicando uma marcha característica com os doentes a apoiarem-se na extremidade anterior dos pés sem conseguir apoiar os calcanhares.
Simultaneamente surgem as atrofias musculares predominantes nas regiões anterolaterais da perna, que numa fase tardia se estendem a todo o corpo espelhando-se num estado de caquexia.
Nas extremidades superiores dá-se também uma atrofia marcada dos interósseos dorsais originando o aparecimento da garra cubital.
Após as perturbações sensitivas, têm um carácter igualmente ascendente. Iniciam-se no hálux e vão-se estendendo para os músculos antero-laterais da perna. Este fenómeno, condiciona a marcha do indivíduo. Esta marcha é denominada de steppage. Esta perturbação vai progredindo até aos músculos intrínsecos das mãos, conduzindo a uma atrofia muscular incapacitante.
Numa fase mais tardia, os doentes podem apresentar paresias, atrofias e fasciculações nos músculos dependentes dos últimos pares cranianos. Os reflexos osteotendinosos vão desaparecendo com o curso da doença. Os primeiros a serem atingidos são os reflexos aquilianos, rotulianos e os reflexos da flexão dos dedos da mão, até atingirem uma fase de total arreflexia osteotendinosa.
As alterações referidas ao membro inferior surgem mais tardiamente no membro superior, estabelecendo a neuropatia em forma de luva e peúga.
As lesões tróficas surgem, por norma, numa fase tardia da doença, com o aparecimento de úlceras que acometem principalmente os pés e necroses ósseas. Estas úlceras estão relacionadas com fenómenos de hipostesia térmica e dolorosa do sistema nervoso periférico.
. Perturbações Autonómicas
A disfunção do Sistema Nervoso Autónomo nos doentes com este tipo de perturbação antecede geralmente as manifestações da neuropatia sensitivo-motora. Apesar das perturbações motoras e sensitivas dominarem o quadro neurológico, a disfunção autonómica altera o funcionamento vários órgãos, com enorme impacto na vida do doente paramiloidótico.
As manifestações clínicas mais comuns, resultantes da perturbação do sistema nervoso autónomo são: cardiovasculares, gastrointestinais, oftalmológicas e nefrológicas.
. Alterações Gastrointestinais
As alterações gastrointestinais observam-se em todos os indivíduos, originando uma diminuição da motilidade do tubo digestivo. A obstipação é o sintoma inicial mais frequente. Pouco tempo depois esta intercala-se de crises diarreicas, havendo uma tendência para que estas últimas vão aumentando de frequência à medida que os períodos obstipantes vão diminuindo, podendo prolongar-se por dias ou semanas na fase terminal. Por vezes surgem enfartamento e vómitos evoluindo para outros sintomas como disfagia alta, xerostomia, aerocolia e distensão abdominal.
Os principais distúrbios gastrointestinais da PAF, são causados por disfunção da mobilidade dos intestinos, que por sua vez parece dever-se a degeneração intrínseca e extrínseca do sistema nervosos autónomo por acumulo de amilóide.
Um outro sintoma muito observado nos doentes com PAF é o emagrecimento. A frequência e a gravidade dos distúrbios gastrointestinais aumentam com a progressão da doença. O estado nutricional deteriora-se de forma muito rápida e a caquexia torna-se numa das principais causas de morte.
As causas do emagrecimento são múltiplas. Náuseas e vómitos persistentes diminuem o apetite e a ingestão. Crises agudas de diarreia diminuem a absorção, aumentam as perdas de nutrientes e agravam o estado geral do doente. A má nutrição dos doentes PAF diminui a qualidade de vida, aumenta a morbilidade e a mortalidade. O aparecimento precoce dos primeiros sintomas gastrointestinais esta ligado ao pouco tempo de sobrevivência.
As perturbações gastrointestinais, são de uma maneira geral atribuídas à neuropatia autonómica. São constantes e precoces, constituindo uma das alterações mais relevantes da Paramiloidose. As manifestações mais frequentes são as relacionadas com a alteração do trânsito intestinal: obstipação e diarreia. Primariamente surge a obstipação, com duração de uma a duas semanas, seguindo-se um período de alternância entre obstipação e diarreia e, finalmente, diarreia persistente por vezes com incontinência fecal. Outros sintomas referidos são: vómitos, náuseas, distensão abdominal e eructações fétidas. Estes distúrbios gastrointestinais fazem com que a desnutrição se vá estabelecendo e a perda ponderal aumentando, de tal modo que a caquexia se torna numa das principais causas de morte.
. Alterações Cardiovasculares
A PAF é caracterizada por uma cardiopatia com grande incidência de alterações electrocardiográficas e ausência de sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva. Como consequência a implementação de pacemakers torna-se imperativo para o controlo das arritmias.
A PAF é caracterizada por uma cardiopatia com perturbações na condução cardíaca, que provoca alterações electrocardiográficas, com perturbações no automatismo e na condução cardíaca, sem apresentar sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva.
Para melhor caracterizar o envolvimento cardíaco nestes doentes, foi realizado em Portugal, por Fonseca e col., um estudo com 110 doentes paramiloidoticos. Este estudo teve como base a análise do traçado electrocardiográfico, Ecocardiograma e Holter. No que diz respeito à analise dos dados relativos ao Ecocardiograma constatou-se que: em 30,5% dos doentes não foram detetadas quaisquer alterações; em 54% dos registos foi identificado hiperecogenicidade ou disfunção diastólica; alteração do relaxamento ventricular, em fases ainda precoces da doença; e aumento da espessura das paredes ventriculares, em fases mais evoluídas.
Relativamente aos dados obtidos através do Holter, verificou-se: que a perturbação do ritmo é muito frequente, com apenas 16% dos registos normais, em regra antecedendo as alterações ecocardiográficas.
Um outro estudo, efectuado por Carvalho e col. envolvendo 212 doentes com PAF, demonstrou uma modificação do padrão normal da variação circadiana da tensão arterial. Nas Fases iniciais da doença verificou-se um amortecimento da normal descida da tensão arterial durante o período da noite. Nas fases mais evoluídas, ocorreu mesmo uma inversão do padrão circadiano, com tensões arteriais noturnas superiores às registadas durante o dia.
Tanaka e col. realizaram um estudo em 12 doentes com PAF, sem qualquer evidência de envolvimento cardíaco, utilizando a Cintigrafia com MIBG-I 123 (método que permite avaliar, de forma não invasiva, a função nervosa adrenérgica) e constataram que 8 desses doentes apresentavam uma ausência total de captação de MIBG-I, e nos restantes 4 doentes, a atividade restringia-se à parede anterior do ventrículo esquerdo. Como a diminuição da atividade cardíaca de MIBG, em doentes com disautonomia, está associada a desinervação miocárdica, conclui-se que a desinervação adrenérgica cardíaca é uma das alterações mais precoces, antecedendo as manifestações clínicas da Polineuropatia.
Através da análise dos estudos supracitados foi possível concluir que as alterações cardíacas mais precoces são as que estão relacionadas com a disautonomia, antecedendo muitas vezes as manifestações neurológicas e as de miocardiopatia infiltrativa.
. Alterações Oculares
A nível ocular, o aparecimento do olho seco, com todas as consequências que daí advém constitui um grave problema. Verifica-se uma opacidade precoce do cristalino e do vítreo, seguida de irregularidades dos rebordos pupilares e ausência ou lentidão de resposta à luz. O que provoca a cegueira lenta mas acutilante.
As manifestações oculares apresentam incidência crescente à medida que a doença progride, podendo evoluir mesmo após o transplante hepático.
São várias as alterações oculares associadas à PAF tipo I: anormalidades dos vasos conjuntivais, queratoconjuntivite seca, úlceras da córnea, anormalidades pupilares, glaucoma, opacidades vítreas, entre outras.
De entre as alterações mais precoces, destacam-se os vasos conjuntivais dilatados e tortuosos e o olho seco. Este fenómeno é explicado pelo envolvimento precoce das fibras desmielinizadas do sistema nervoso autónomo, associando-se mais tardiamente a deposição de substância amilóide na glândula lacrimal.
As opacidades vítreas e o glaucoma surgem mais tardiamente, de um modo geral em doentes com sintomatologia há mais de cinco anos. Podem ocorrer subidas bruscas da tensão ocular, com perda rápida e irreversível da visão.
As opacidades vítreas resultam do depósito local de amilóide e manifestam-se por diminuição da acuidade visual.
. Alterações Sexuais
A impotência sexual acontece numa fase muito precoce, podendo ser o primeiro sintoma a manifestar-se. A ejaculação pode permanecer até fase avançada mas o seu desaparecimento é seguido de incapacidade de atingir o orgasmo e ausência de líbido. Nas mulheres a alteração predominante é a frigidez.
Em relação às manifestações sexuais, a impotência, é nos homens, um sintoma precoce e constante, motivando muitas vezes a primeira consulta. Por vezes, é interpretada como tendo origem psicossomática, e só o aparecimento de outros sintomas e história familiar, permitem enquadrar esta manifestação no quadro clínico da PAF.
Inicialmente, o orgasmo, a libido e a ejaculação, estão preservados, mas acabam por desaparecer na fase final.
Nas mulheres, estas manifestações são mais discretas, e limitam-se à perda progressiva da capacidade de atingir o orgasmo.
Não se observam alterações sexuais secundárias, mas a azoospermia tem sido verificada em alguns doentes.
. Alterações Esfincterianas
A qualidade de vida é gravemente atingida devido à incontinência de esfíncteres numa fase terminal, relacionada com episódios frequentes de diarreia.
. Alterações Renais
Os doentes PAF apresentam risco de infecções urinárias de repetição como perturbação que pode levar à insuficiência renal. Existe enfraquecimento progressivo das funções renais.
A relação causa-efeito entre a deposição de amilóide e a disfunção do órgão tem sido assumida na amiloidose renal, particularmente quando há envolvimento glomerular e vascular. As alterações renais embora estejam frequentemente presentes numa fase mais avançada da doença podem estar presentes no momento do diagnóstico, em 25 a 40% dos casos. Na amiloidose podemos encontrar alterações estruturais na membrana basal glomerular e expansão mesangial. Parece existir alguma afinidade entre as lesões renais da amiloidose e as da diabetes. Tal como outras amiloidoses, a associada à TTR tem como expressão renal proteinúria de grau variável (evoluindo para nível nefrótico em cerca de metade dos casos) e insuficiência renal crónica. As manifestações renais progridem da microalbuminúria numa fase precoce da doença, podendo surgir mesmo antes da neuropatia, proteinúria significativa e (> 0,3g/L) com síndrome nefrótico e evolução para insuficiência renal com necessidade de hemodiálise numa fase terminal da doença. O declínio da função renal estabelece-se rapidamente no ano que antecede a insuficiência renal crónica terminal e a hipervolémia constitui a principal indicação para iniciar diálise.
. Alterações Tróficas, Manifestações Cutâneas
Estas alterações surgem numa fase avançada da doença, podendo ocorrer o aparecimento de ulceração e/ou necrose óssea das extremidades, levando a mutilações. Estas cicatrizam lentamente e com dificuldade. É frequente encontrar lesões resultantes de traumatismo ou queimadura devidas à hipostesia térmica e dolorosa do doente.
Estas perturbações são muito comuns numa fase mais tardia da doença. Podem ir desde simples atrofias da pele até à ulceração da superfície plantar, com necrose das extremidades ósseas, que podem resultar em amputações. Quando se instalam as úlceras cutâneas, o seu processo de cicatrização é lento e difícil.
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