terça-feira, 11 de março de 2025

Evolução histórica da doença

 

A descrição inicial da Amiloidose como doença particular verificou-se no século XVII e resultou do relato de dados obtidos em autópsias.

Em 1939, Nicholaus Fontanus descreveu um baço branco, em esponja, duro e preenchido por uma substância esbranquiçada. Seguiram-se descrições semelhantes de Thomas Bartholin, Bonet, Malpighi e Morgagni. Antoine Portal, em 1789, documentou uma “substância lardiforme” (semelhante a toucinho), em dois pacientes com tuberculose, substância esta que endurecia com o calor tal como a albumina.

Rokitansky, em 1842, descreve detalhadamente esta “substância lardiforme” em vários doentes, que atribuiu a esteatose, contudo, três anos mais tarde, Budd afirmou tratar-se de albumina (degenerescência Cérea).

Alguns anos mais tarde, Gairdner documentou o envolvimento multiorgânico por essa substância.

Foi Schleiden, em 1858, quem introduziu pela primeira vez o termo “amilóide”, para descrever um constituinte amiláceo das plantas, mas foi Rudolph Virchow, quem atribuiu à substância lardiforme a designação de amilóide, por corar de azul com o iodo e após tratamento com ácido sulfúrico, adquirir um tom violeta.

A defesa dos termos cérea, lardifome, amilóide, foi motivo de acesa discussão e controvérsia, até que no fim do século XIX a Royal Society of London designou uma comissão para estabelecer a nomenclatura definitiva, que adoptou o termo lardiforme. Sem uma explicação clara, a designação amilóide, foi perpetuada até aos dias de hoje.

Ao longo de anos, foi-se tornando evidente, que essas doenças podiam apresentar um carácter hereditário. Com a descrição da PAF por Corino de Andrade, a hereditariedade nas amiloidoses, ganhou ampla projecção.

Em 1983 e 1984, foi descrito pela primeira vez a substituição de uma Valina por uma Metionina na posição 30 em famílias Japonesas, Portuguesas e Suecas.

A descrição de outros tipos de amilóide sucedeu nos anos seguintes.

 

“Lançou-se ao vento” que esta disseminação pelo Mundo estaria ligada à viagem de um gene à data dos Descobrimentos Portugueses, às investidas dos Vickings pela Península Ibérica (no caso da Suécia), à emigração portuguesa em países como EUA, França, Brasil, mas nunca foram apresentados dados concludentes.

Se uma mutação comum liga os casos portugueses e suecos, há algumas circunstâncias a favor da hipótese da migração do gene mutante se ter dado de Portugal para a Suécia. Os Vikings que habitavam a Escandinávia eram extraordinários marinheiros. A partir do século VIII, começaram a atacar populações da costa do Mar do Norte e, mais tarde, da Península Ibérica. O registo da existência de relações comerciais entre estes dois países é outro fator que corrobora a proximidade entre o povo português e o sueco. As principais ocupações do povo sueco eram, em tempos primitivos, a agricultura, a caça e a pesca. Para conservar os alimentos, o sal era fundamental. As rotas do comércio do sal entre o continente e o Báltico estabeleceram-se muito cedo, sendo que Portugal era parte importante deste comércio.

Os factos históricos que aproximam o povo português do povo japonês estão relacionados com os Descobrimentos Portugueses e com as estreitas relações comerciais estabelecidas nesta altura, entre os dois países. De entre vários produtos comercializados, os portugueses foram os responsáveis pela introdução das primeiras espingardas no Japão. Num documento datado de 1596-1614 podemos ler: “Posso eu saber o último segredo?”, os bárbaros responderam “Todo segredo consiste nisto: deve-se conservar reto o coração e cerrado um olho”. “se me ensinardes a fundir espingardas dou-vos em recompensa a minha humilde filha”.

Como já anteriormente referido, é em 1939 que Corino da Andrade observa pela primeira vez uma paciente de 37 anos com Paramiloidose. Contudo, a existência da PAF, remonta aos primórdios do séc. XIV, na comunidade piscatória das Caxinas. O geneticista Klein “aventa” a hipótese de a mutação ter ocorrido há mais de 500 anos na região da Póvoa de Varzim / Vila do Conde e de o gene mutante ter progredido pelo litoral, estendendo-se até Viana do Castelo a Norte, e até à zona de Buarcos e Figueira da Foz a Sul, de se ter infiltrado para o interior atingindo Unhais da Serra, freguesia do concelho da Covilhã e depois de ter infletido em direção a Lisboa.

A alta prevalência da Paramiloidose na Póvoa de Varzim e alguns factos históricos, sugerem que a mutação tenha aqui ocorrido. Alguns dos factos históricos que fundamentam esta hipótese são: a Póvoa de Varzim encontra-se no centro de uma zona piscatória muito rica, cuja área de influência se estende da Galiza à Figueira da Foz. No domínio da Pesca, a Póvoa de Varzim era, no século XVIII, a maior praça de pesca do Norte de Portugal. Um exército de almocreves partia diariamente desta cidade litoral, fazendo penetrar nas províncias do interior o peixe da Póvoa; no que diz respeito à indústria de construção naval, carpinteiros poveiros eram solicitados pelos estaleiros da Ribeira das Naus em Lisboa, pela sua capacidade técnica; alguns poveiros terão feito parte da tripulação das naus portuguesas. Em épocas de crise ou de fome, o poveiro viu-se obrigado a emigrar. Com a perda da independência de Portugal em 1580, cresceu a emigração para o Brasil, intensificando-se em 1697 com a descoberta do ouro.

A Paramiloidose vai então seguindo a viagem dos pescadores ao longo da costa. A penetração para o interior segue as ligações comerciais e agrícolas.

A incidência da Paramiloidose na Serra da Estrela e em Unhais da Serra surgiu devido à existência de uma estância termal famosa no tratamento de patologias Reumatológicas, tendo os doentes portadores de Paramiloidose a ela recorrido na procura de cura para os seus problemas.

A existência de doentes com Paramiloidose no concelho da Covilhã e em Unhais da Serra estiveram, associados a feiras remotas que faziam a ligação com quase todas as localidades do país.

Devido à alta prevalência da doença na Póvoa de Varzim, pensa-se que a mutação original possa ter ocorrido aqui há vários séculos atrás e que se tenha propagado para fora do país através do porto de Vila do Conde, cuja atividade principal era a pesca.

Sabe-se que entre o povo português e o povo sueco existe uma mutação comum no que diz respeito ao gene da paramiloidose. Há uma hipótese de o gene mutante ter emigrado de Portugal para a Suécia, devido às rotas comerciais do sal que se realizavam entre o continente e o mar Báltico. Da história sabe-se que os Vikings atacaram a costa portuguesa a partir de 961.

Pensa-se que a propagação da doença se deveu ao facto dos Vikings se terem relacionado com a população local e assim, o gene ter sido transmitido aos países nórdicos.

Também há uma referência histórica no século XV relativamente à amizade travada entre Damião de Góis e dois suecos, Olaus Magnus, padre católico sueco e Johannes Magnus, o último Bispo católico sueco.

Sabe-se que é no norte da Suécia, na cidade de Skelleftea, junto ao Báltico, que a doença está mais concentrada. Existem, também, outras cidades em que doença se espalhou mas em menor escala, tais como Pitea, Alvsbyn; Kalix e Liycksele.

Devido à arte de navegar e ao comércio, os portugueses foram levando a paramiloidose até países longínquos. A partir de 1510 alguns poveiros terão participado como mareantes e pilotos nas naus portuguesas começando a emigrar para outros países. Devido a este fator transmitiu-se a doença. Desde o século XV que países como Espanha (ilha de Maiorca), Itália, Grécia, Chipre, Irlanda têm o gene da paramiloidose devido às rotas comerciais. Destes países emigraram pessoas que levaram o gene mutante para o outro lado do mundo, como os Estados Unidos e Brasil.

A chegada dos portugueses ao Japão data do séc. XVI. Além de terem levado conhecimentos de cartografia, geografia, arte de navegar entre outras coisas, também levaram a paramiloidose. No fim do século XIX dá-se a migração para as grandes cidades, Porto e Lisboa, com o início da era industrial.

Em 1900 Fonseca Cardoso no seu livro “O Poveiro, estudo antropológico” descreve a influência dos povos normandos no litoral português como comerciantes na atividade piscatória.

O gene da paramiloidose irá propagar-se ao longo da costa, primeiro para o norte, Viana do Castelo e depois para a zona centro, Figueira da Foz. A seguir começam a ir para o interior, através das ligações comerciais e agrícolas, para Barcelos e Braga.

Pensa-se que a propagação da doença na Serra da Estrela se deveu essencialmente ao uso das termas em Unhais da Serra, famosas para o “reumatismo”, contribuindo assim para a instalação da doença.

Apesar dos portugueses terem vivido em África e terem criado famílias com a raça negra durante mais de quatro séculos, o que se sabe é que a doença nunca foi observada em negros ou mestiços.

 

 

Fundamentação Científica

Até há cerca de 20 anos, acreditava-se que a PAF teria uma ocorrência endémica respeitando uma delimitação geográfica muito concreta, contudo e devido aos grandes avanços da bioquímica e genética molecular é hoje aceite que se trata de uma doença disseminada por todo o Mundo.

A presença de pacientes com PAF relacionada com a TTR foi já confirmada em mais de 30 países e a mutação V30M identificada em pacientes em mais de 15 países. Apesar de ainda não estar completamente esclarecido, só a PAF ligada a esta mutação (tipo I, português ou de Andrade) é que apresenta grandes aglomerados de doentes, espalhados pelo mundo. Um estudo epidemiológico realizado na região Norte da Suécia, constatou que numa população de 500 000 pessoas, 7500 eram portadoras da mutação V30M da TTR, contudo, constatou também que esta mutação apresentava, nesta população, uma penetrância de apenas 2%. No Japão, mais de 350 doentes com PAF foram encontrados nas cidades de Arao, distrito de Kumamoto, e Ogawa, distrito de Nagano. Em Portugal, até Dezembro de 2003 foram observados no CEP, 2093 doentes, correspondendo a 583 famílias, aparentemente não relacionadas entre si.

A hipótese lançada, de que a mutação V30M da TTR teria origem em Portugal e daí ter-se-ia disseminado pelo mundo, fundamentou-se essencialmente em dados epidemiológicos e em relações históricas bem conhecidas.

Contudo, um estudo levado a cabo por Ohmori et al, comparando haplótipos em diversos focos de doença em todo o mundo, descobriu que a mutação V30M, disseminada por países como Portugal, Japão, Espanha, tem de facto uma mutação ancestral de origem comum. É então concebível a hipótese de existir um fundador comum para pacientes Portugueses e Japoneses, para pacientes Portugueses e Espanhóis, mas não para pacientes Suecos e de outras nacionalidades.

Estes dados, associados aos dados históricos e epidemiológicos anteriormente referidos, corroboram a hipótese de a mutação ter de facto origem em Portugal.

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