sexta-feira, 1 de novembro de 2024

A Família com PAF

 

Definir família não é fácil, Relvas define-a como: “Um conjunto de indivíduos que desenvolvem entre si, de forma sistematicamente organizada, interacções particulares que lhe conferem individualidade grupal e autonomia”. Sampaio e Gameiro definiram-na como um sistema, um conjunto de elementos ligados por um conjunto de relações, em contínua relação com o exterior, que mantém o seu equilíbrio ao longo de um processo de desenvolvimento percorrido através de estádios de evolução diversificados”.

Sendo a sua realidade tão complexa, qualquer definição deixa sempre “de fora” algumas das particularidades do sistema familiar. Acrescentámos a esta complexidade, um gene mutado, um gene que se transmite de geração em geração, um gene que nunca abandonara o dia – a – dia familiar, por mais protetor que pareça ser o silêncio. Um gene adormecido que não se esquecerá de acordar. Sendo a comunicação humana constituída por sinais verbais, corporais e comportamentais, nas famílias com PAF o silêncio pouco ou nada poderá esconder.

Sendo a família lugar de criação e sucessão de gerações no fluxo contínuo que constitui a natureza das civilizações, a TTR mutada fará parte desse fluxo, de forma mais ou menos consciente, de forma mais ou menos visível. Mesmo não sendo portador, mesmo tirando bola branca nos testes genéticos, as vivências de infância, vividas paredes-meias com os sintomas de um pai, ou uma mãe ou outro familiar, não poderão nunca ser transplantadas.

Esta doença é muito “visível” quer em termos físicos quer relacionais, uma vez que os doentes definham a cada dia que passa e a sua capacidade de “dar” afetos se encontra igualmente amputada, a sua liberdade é limitada, sendo que em casos avançados se tornam totalmente dependentes.

 

O carácter hereditário da doença faz com que na maioria dos casos, os doentes tenham vivenciado o evoluir da patologia, tendo tido não raras as vezes o papel de cuidadores. Assim mesmo, a comunicação serve tanto para revelar como para esconder. As interações que se desenvolvem entre os vários elementos de uma família organizam-se em sequências repetidas de trocas verbais e não verbais que se vão construindo no dia a dia familiar, como resultado de adaptações recíprocas, implícitas e explícitas entre os seus elementos.

Existe pouca informação, entre membros de famílias com doenças genéticas. Talvez por medo de acordar um gene adormecido. Parece ainda, existir inerente à doença e a ser portador uma grande culpabilidade, “porque saber é colocar o sujeito perante a sua própria responsabilidade”. Contudo, a comunicação acontece, mesmo sem intencionalidade, consciente ou bem definida Já que cada família tem uma história comum e essa história passará intencionalmente ou não para as gerações seguintes.

Os familiares dos doentes PAF têm imensas dificuldades em conversar entre eles, sobre a doença, sobretudo sobre o seu aspeto hereditário, evitando assim os medos que a herança do gene provoca, não falando sobre isso, tentando ignorar. Mas nem o que Turk designa por “web of silence” protegerá as famílias das doenças genéticas.

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